Exploring U-M’s Opportunities Around the World

"Quando a gente está no palco, a gente se sente livre.
Esquece que está na prisão."

Edson Sodré

O detento brasileiro Edson Sodré fala a estudantes da Universidade de Michigan e da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foto: Levi Stroud

Foto: Levi Stroud

Foto: Levi Stroud

Por Fernanda Pires

Rio de Janeiro, Brasil – A cada questão respondida depois da performance, o ator Edson Sodré pergunta aflito: que horas são? Alguém da plateia, espremida em um pequeno anfiteatro, responde rapidamente. A apresentação é única, exclusiva.

O público se emociona, ri, se cala. E chora com a história daquele homem de 54 anos. A tensão a cada minuto continua, até que finalmente, as 8:30pm em ponto, ele se despede e sai com pressa, sob aplausos. Sodré é presidiário e tem hora certa para retornar ao Complexo de Bangu.

“Só pensava em fugir. Comecei a participar das aulas de teatro porque era a única maneira de frequentar aquele espaço. A ideia era cavar um túnel debaixo do palco e tentar a fuga pela rede de esgoto.”

A justiça o liberou para participar do II Seminário Internacional de Teatro, Enclausuramento e Práticas Comunitárias. Ele se apresenta para um grupo de estudantes da universidade federal, UNIRIO, e para estudantes da Universidade de Michigan, que estão no Brasil em um programa de intercâmbio de teatro.

O ator-detento conta que entrou para o Projeto de Extensão “Teatro na Prisão” da UNIRIO em 1997 na Penitenciária Lemos de Brito, mas na época, não queria aprender a atuar ou a escrever peças. “Só pensava em fugir. Comecei a participar das aulas de teatro porque era a única maneira de frequentar aquele espaço. A ideia era cavar um túnel debaixo do palco e tentar a fuga pela rede de esgoto”, lembra.

Não deu certo. A escavação foi descoberta e por ele ser um dos suspeitos, passou a ser vigiado de perto. No ano seguinte, Sodré ainda conseguiu cavar outro ponto, longe da sala do teatro e iniciou sua última fuga. “Me rastejei por um bom trecho, naquela água suja de esgoto, tudo escuro. De repente, coloquei a mão em uma coisa estranha e vi que era um crânio. Fui descoberto.”

Esse foi o ponto final de sua obsessão pela fuga. Ele mergulhou então no teatro, confessa. Passou a ler, a escrever e a pintar. “Criei uma bolha. Só assim consegui sobreviver e manter a sanidade em todo esse tempo de enclausuramento,” diz. Em 18 anos, escreveu cinco peças, pelo menos cem poesias e pintou dezenas de telas a óleo.

Pelo quarto ano consecutivo, a professora da Universidade de Michigan, Ashley Lucas, diretora do Prison Creative Arts Project (PCAP) e parceira da UNIRIO leva os estudantes ao Brasil para serem observadores-participantes do trabalho com teatro que está sendo feito não só nas prisões, mas também em algumas favelas e hospitais. Eles aprendem como o teatro pode ser feito em contextos não tradicionais e porque as pessoas se envolvem em práticas teatrais em espaços desafiadores.

“Há um momento em que todos os estudantes sentem que eles poderiam estar naquele lugar, porque todos somos humanos e podemos errar.”

“A arte e a atuação são fortes ferramentas de mudança social. O teatro nos permite apresentar novas ideias, novas histórias de uma maneira segura e protetora. A gente se expõe sem estar em perigo”, diz

Os benefícios do teatro não se limitam para quem está preso. Para a professora da UNIRIO, Natália Fiche, que coordena o projeto “Teatro na Prisão”, na universidade carioca, nenhum aluno – detento ou livre – sai do programa da mesma maneira que entra. O crescimento profissional e como ser humano é nítido.

“Esse programa abre a reflexão, faz pensar. Há um momento em que todos os estudantes sentem que eles poderiam estar naquele lugar, porque todos somos humanos e podemos errar,” diz Fiche. “A partir daí, eles passam a ver o mundo de uma forma diferente, mais madura e aprendem uma nova maneira de lidar com a vida”.

Para Sodré, o ator encarcerado, teatro é sinônimo de liberdade. “Quando a gente está no palco, a gente se sente livre. Esquece que está na prisão,” diz.

Voz Silenciada e Empatia

Estudantes da U-M deixam a Penitenciária Talavera Bruce depois de um workshop na prisão.
Foto: Levi Stroud

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O trabalho de teatro na prisão, desenvolvido tanto na U-M quanto na UNIRIO, pretende devolver a individualidade e a voz oprimida dos detentos, pelo menos durante as oficinas, diz a estudante da Escola de Música, Teatro e Dança da Universidade de Michigan, Leia Squillace. Integrante do PCAP, a estudante viajou ao Rio para aprender mais sobre o teatrólogo Augusto Boal, que criou um modelo de arte para a mudança social com o objetivo de transformar a realidade através do diálogo, o Teatro do Oprimido.

“Na prisão, você perde sua individualidade, passa a ser um número e tem poucas possibilidades de expressão”, diz a estudante. “A arte, então, cria um espaço adequado para que essas pessoas, além de falar o que desejam, possam ser ouvidas. É a forma perfeita para desenvolver empatia de ambos os lados.”

Momentos na Prisão

Arte também faz bem à saúde

Estudantes da U-M e da UNIRIO se apresentam para os pacientes e seus familiares em um hospital no Rio de Janeiro. Foto: Levi Stroud

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Photo: Danillo Sabino/UNIRIO

Foto: Danillo Sabino/UNIRIO

Acostumada ao universo da música clássica, a estudante americana Tsukumo Niwa, que também participou do intercâmbio, saiu totalmente da sua zona de conforto ao chegar ao Hospital Federal da Lagoa (HFL). Apesar de normalmente não improvisar ou passear com o oboé, instrumento que estuda na Escola de Música da U-M, ela se rendeu ao som de “Chocolate”, de Tim Maia, e se uniu aos músicos brasileiros na apresentação para as pessoas doentes que aguardam atendimento nos corredores e salas de espera do hospital.

“Fiquei muito feliz em ter sido capaz de me desafiar artisticamente com um grupo de músicos talentosos da UNIRIO. Os sorrisos, os elogios e o carinho mudaram completamente o meu dia. Foi uma grande recompensa”, diz.

Os aplausos vieram de centenas de pacientes que aguardavam atendimento médico ou passavam por sessão de quimioterapia. Cada canto do hospital vira palco. As músicas, as apresentações teatrais ou “diagnósticos” dos médicos-artistas, arrancam sorrisos e aliviam as dores da plateia que está ali para cuidar da saúde.

“Fiquei muito feliz em ter sido capaz de me desafiar artisticamente … Os sorrisos, os elogios e o carinho mudaram completamente o meu dia. Foi uma grande recompensa.”

“No início, eu não sabia se aqueles pacientes nos queriam ali”, confessa a recém-formada da U-M, Layla Sareini. “Mas depois de ver as lágrimas se transformarem em gritos de alegria, eu quis chorar. Mal podia acreditar que a dança e a música, que, pra nós é um trabalho diário, impactasse as pessoas desta forma”, diz.

As performances ajudam as pessoas a esquecerem a razão pela qual elas estão lá, disse Miguel Vellinho, do projeto de extensão Hospital como Universo Cênico, outro parceiro do PCAP. “Este é o poder do ativismo artístico”, diz. “Dentro do hospital, a arte é uma ferramenta para promover a justiça social e melhorar a vida das pessoas.”

É no que a doméstica Eliete Barcelos acredita também. Pelo menos uma vez por semana, ela acompanha a filha de 36 anos ao hospital para tratamento de Lúpus. Ao escutar os sons do violão, do tamborim, do oboé e as dezenas de vozes entusiasmadas do grupo de estudantes brasileiros e americanos, se emociona. “Nem tudo está perdido. Existe esperança e a alegria invade nossos corações com esta apresentação. No hospital, onde há tanto sofrimento, essa música contagia; traz alívio e conforto.”

Na sala de quimioterapia, com 13 pacientes, choro … de alegria ao som de Stand by Me, Twist and Shout e Sina, de Djavan. “Esse trabalho nos traz momentos de paz, quebra nossa dura rotina de tratamento”, diz Lúcia Canabrava, paciente que faz tratamento intensivo contra a esclerose múltipla por 20 anos e já perdeu alguns movimentos do corpo.

Momentos no Hospital

Enquanto isso, nas favelas

Foto: Wikipedia

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Fora de um espaço tradicional e sofisticado, o programa “Teatro em Comunidades” é mais um braço da parceria com a professora da U-M, Ashley Lucas. Também visa transformar vidas e abrir um espaço seguro para discussões sobre a realidade dos 130 mil moradores do Complexo da Maré. Com 16 favelas, é considerado um espaço de vulnerabilidade, com baixa escolaridade, convívio com grupos criminosos e preconceito.

O programa, dividido em três núcleos, existe há 5 anos, e tem uma média de 70 participantes, moradores das comunidades. “O diferencial do nosso trabalho é a continuidade. Viemos para ficar e estamos engajados na formação desses jovens”, diz a coordenadora, Marina Henriques Coutinho. “Queremos colaborar para a formação de uma massa crítica, de pessoas capazes de projetar estratégias de autonomia e emancipação, pessoas que seguram as rédeas da própria vida.”

Ainda para Coutinho, existe um abismo de oportunidades entre os jovens que são privilegiados e os jovens que vivem nas comunidades. “De certa forma, a gente está mexendo nessa dinâmica, provocando movimento, discussão, outra lógica para a cidade, que é muito desigual. Estamos tentando provocar mudanças.”

Wallace Lino, morador da favela Nova Holanda e estudante da UNIRIO discute o programa “Teatro em Comunidades.” Foto: Levi Stroud

“Tudo o que eu sei e sou está atrelado, sim, à minha formação teatral. Desde o início, eu agarrei aquela oportunidade.”

Uma dessas mudanças e orgulho do programa é Wallace Lino, morador da comunidade Nova Holanda, estudante de teatro da UNIRIO, facilitador no programa e um dos atores da Cia Marginal, grupo profissional de teatro que comemora 10 anos de vida em 2016 e do qual Lino faz parte desde os seus 16 anos.

“Tudo o que eu sei e sou está atrelado, sim, à minha formação teatral. Desde o início, eu agarrei aquela oportunidade. O que me instigava não era só estar ali. Eu queria aprender a fazer melhor do que a professora”, lembra. “Sempre fui persistente. Queria e quero fazer tudo sempre como muita qualidade.”

Lino visitou a U-M em 2015, quando participou do intercâmbio com os estudantes do PCAP. Para ele, o contato com outras formas de trabalhar e as distintas construções metodológicas, foi enriquecedor para sua formação como ator e professor. “Essa experiência me colocou de frente com minhas áreas de pesquisas, com um olhar diferente e em um lugar distante, me levando a refletir, repensar e ter novos desejos.”

Momentos na Favela

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Excesso de energia e vontade de viver

Photo: Levi Stroud

Foto: Levi Stroud

As 4 horas presa no engarrafamento do Rio, em uma manhã chuvosa, não impedem que Jacyra da Conceição chegue para a aula de teatro animada e feliz. Com 81 anos, óculos de sol, colar dourado e roupa de festa, ela rouba a cena, dança e canta com os estudantes da U-M, que participam do Teatro Renascer, formado por um elenco sênior. O projeto, intergeracional, permite a troca de experiência entre pessoas velhas e jovens universitários.

“Com dificuldade ou não, eu venho, porque o carinho que essas pessoas trazem para mim é um carinho de mãe para filha – de filha para mãe”, diz, com os olhos brilhando. “Não importa o que aconteça, chego feliz e vou embora mais feliz ainda, já esperando pelo próximo encontro.”

“Chego feliz e vou embora mais feliz ainda, já esperando pelo próximo encontro.”

Este entusiasmo também toma conta da coordenadora do projeto, a professora Carmela Soares. “Já são 10 anos de trabalho com esse grupo. Aqui é um aprendizado duplo. Tanto a gente aprende com eles, quanto eles aprendem com a gente,” diz.

Este programa e viagem foram co-patrocinados por:
Brazil Initiative; The Center for Global and Intercultural Study in the College of Literature, Science, and the Arts; Department of Theatre & Drama, School of Music, Theatre & Dance; and the Residential College

Mais informações: lsa.umich.edu/pcap